As filhas gêmeas da mamãe Débora de Freitas vão passar por quatro cirurgias para se separar em Ribeirão Preto, interior de SP
Foi com oito meses de gestação que a mamãe Débora Freitas, 27 anos, de Aquiraz no Ceará, recebeu uma das notícias mais difíceis de sua vida. Ao fazer o ultrassom, o médico não conseguiu ver o rostinho das meninas e então ele informou a mãe que as bebês eram “malformadas. Muito mesmo”. “Saí chorando para o carro. Chorava. Chorava”, lembra Débora em entrevista ao jornal Folha S. Paulo.
Então, após uma ressonância ainda na gestação, descobriu-se que as meninas eram unidas pela cabeça. Débora entrou em depressão. “Não comprei berço, não comprei mais nada. Tinha medo que elas nascessem e morressem, ou que fossem muito malformadas. Eu tinha medo de morrer também”, disse Débora em entrevista ao jornal Folha S. Paulo.
O casal começou a ouvir uma sucessão de comentários chocantes. “Vou dizer uma coisa: é melhor que elas nasçam mortas”, chegou a dizer um médico.
Então, as bebês nasceram em julho de 2016. Maria Ysabelle nasceu com 3,5 kg e 46 cm e Maria Ysadora com 3,7 kg e 47 cm.
As pequenas foram transferidas para uma unidade especial e colocadas em uma cabaninha para evitar curiosos. A mãe chegou a ficar uma semana sem ver as filhas. E para piorar, funcionários faziam graça. “Uma enfermeira me disse: ‘Mãezinha, elas vão andar assim, ó!’. Encostou a cabeça na de outra colega e começaram a andar grudadas”, lembra Débora em entrevista a Folha de S. Paulo.
A mãe então tentou buscar ajuda com os médicos, mas foi ainda pior. Todos falavam que não havia como separar as meninas. “Mas, doutor, elas não podem viver assim”, disse Débora a um deles. “Podem, sim. A sorte é que não estão frente a frente. Já imaginou passar a vida toda olhando uma para a cara da outra?”, ouviu de volta. E a cada resposta deste tipo, Débora caia no choro.
Então, Débora foi liberada para casa, mas ainda sem esperanças de tratamento para suas pequenas. E a mamãe ainda teve que ouvir mais comentários cruéis, vindos de diversas pessoas. Certa vez uma mulher perguntou: “Cadê as tuas filhas? Morreram?”. Um amigo falou a Diego (marido de Débora): “Eu não teria paciência, não”. E Débora: “Você ia jogar no lixo?”. Outro fez piada: “O que foi que tu comeu para elas nascerem assim?”.
Tudo só começou a melhorar quando os pais conheceram o neurocirurgião Eduardo Jucá. “Eu vou operar as suas filhas”, disse. Cearense, ele fez medicina em Ribeirão Preto. E então buscou a ajuda dos antigos mestres, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em SP.
A instituição aceitou examinar o caso, e a família viajou a Ribeirão. O comando foi assumido por Antonio Pazin Filho, diretor do departamento de atenção à saúde do HC, que cuida da estrutura para o atendimento das meninas, e pelo neurocirurgião Hélio Rubens Machado.
Aos 69 anos e 44 de profissão, doutor Hélio já operou 10 mil pessoas, “no mínimo”. E diz que esta é a situação mais complexa que já enfrentou. Casos de craniópagos, que nascem unidos pela cabeça, são raríssimos: ocorrem numa proporção de 0.6 por milhão de nascimentos. No Brasil, segundo estudos levantados pelo HC de Ribeirão, só uma cirurgia foi divulgada em publicações científicas. Uma das crianças, com microcefalia, já não tinha condições de sobreviver. A outra foi salva.
Para poder operar as bebês da melhor forma possível, o médico e professor entrou em contato com o neurocirurgião americano James Goodrich, do Montefiore Medical Center de NY. Ele já operou mais de 20 craniópagos, sem que ocorresse nenhuma morte.
O brasileiro viajou para os Estados Unidos, e Goodrich veio ao Brasil. Antes de decidirem que sim, as meninas podem ser operadas, elas passaram por uma série de exames.
Os médicos reconstruíram os crânios das meninas de forma tridimensional e um molde de acrílico foi feito nos EUA com o detalhe “de cada voltinha do cérebro, cada veia e artéria, exatamente como são”, diz o doutor Hélio em entrevista à Folha de S. Paulo. Havia temor de que fosse impossível separar a circulação. Mas isso não ocorre.
E então, após um ano de exaustivo planejamento que envolveu mais de 30 pessoas, as meninas serão operadas em 17 de fevereiro no HC Criança, a unidade infantil do hospital de Ribeirão Preto.
Serão quatro cirurgias no total. Em cada uma delas, uma parte do crânio será aberta. Veias e partes sobrepostas de uma área dos cérebros serão separadas. Tudo será fechado. Cada procedimento dura quatro horas. Saiba mais aqui.
E conheça aqui a história de bebês americanos que também nasceram unidos pela cabeça e foram separadas com sucesso.